Calisto é um cão adoptado, de pelo preto, não é grande nem pequeno, é assim assim. O pêlo é meio liso meio frisado, nem curto nem comprido, é assim, assim. O Calisto é um cão muito simpático, mas no fundo, há que dizer a verdade, é um cão tão feio que dá pena, mas repito, é muito simpático. Depois, sempre ranhoso e com os dentes tortos, mais parece uma coisa mal acabada. Quando o Francisco o acolheu, pensou que o bicho tinha aquele aspecto por estar mal cuídado, mas o que é facto é que nunca recuperou. Paciência, no fundo já todos se habituaram àquela figura... simpática. O que ninguém sabe, nem o próprio dono, é que o Calisto veio de outra Galáxia. Um lugar muito distante do nosso planeta e que para nós terrestres, seria imposssível lá chegar, pelo menos por enquanto. O Calisto veio de um planeta chamado KRYPTON. Justamente o mesmo planeta de onde viera o Super Homem, há muitos anos atrás. O Super Homem, conhecido pelo homem de aço, foi enviado para a Terra, porque Krypton e o nosso planeta tinham uma coisa em comum, um sol com raios de luz amarelos, que lhe davam um poder especial. De tal forma era o seu poder que ficaram no tempo histórias fantásticas de combates contra o mal. Aparecem mais tarde outros heróis, mais modernos (o Homem Aranha e o Batman), que embora nunca tenham combatido com o Super Homem, tornam-se mais famosos e colhem o interesse geral das pessoas. Em Krypton, não acham muita piada a isto e começam a pensar no envio para a Terra de um outro super heroi, com mais poderes, capaz de fazer frente a esses bicharocos, uma aranha e um morcego ... que tristeza!! - Pois fiquem sabendo que vamos enviar um Dragão! Diz o Rei do Planeta Krypton. - Um Dragão Azul, que em vez de cuspir fogo, cospe bába e ranho. É nisso que residirá o seu poder, na bába e no ranho, ficará famoso no universo e será conhecido por Dragão Azul - O Herói Ranhoso. Parecia tudo bem programado, mas uma fuga de informação, levou a que um clube de futebol do Porto adoptasse a figura como símbolo do clube. Um autêntico desastre, não podia correr pior, o dito clube desata a ganhar campeonatos e o Dragão ao entrar na atmosfera terrestre, com o aquecimento, de azul passa a preto e transforma-se em cão, um simples cão preto e feio, com os dentes tortos e ranhoso, que a única sorte que teve foi a de cair justamente no quintal do Francisco. O Super Homem ficou velho, perdeu poderes e consta que vive discretamente numa cidade do Alentejo.
Ao entrarem no portão de peões do hospital e percorrendo o longo passeio com laranjeiras até ao edíficio principal, ficaram parados a ver o aparato que cinco ambulâncias, todas juntas, faziam ao chegar. - Deve ter sido grande acidente - diz a Ana. Antes de entrarem no portão destinado às visitas, ficaram absorvidos pelo aparato que a situação provocou na entrada da urgência, - Vamos espreitar! - Não Francisco, é melhor não, está muita confusão e vamos atrapalhar. Enquanto a Ana diz isto, já todos se precipitam na direcção da urgência do hospital. São travados pela imagem de um politraumatizado que ao ser retirado de uma das ambulâncias, amarrado à maca, completamente em sangue gritava desesperadamente. De outra ambulância, saía um polícia, com o boné em cima da maca e levava uma máscara de oxigénio. - Esperem! - insistia a Ana. Enquanto não se afastavam, ouviam os comentários de bombeiros e pessoal médico. - Foi uma confusão num centro comercial, um grupo de marginais, deu origem a uma confusão tal, que ao assaltarem várias lojas e agredindo várias pessoas, fizeram com que se gerasse pânico, daí o elevado número de feridos. O polícia que se encontrava no local, não conseguiu evitar o tumulto e acabou ele por ser também apanhado pela enorme confusão. - Vá rapazes afastem-se daqui, não atrapalhem! - interviu um outro polícia que ali estava. No elevador, iam mudos. Atravessaram um longo corredor com um detestável aroma a éter, que o Valter logo de início se apressara a identificar - este cheiro é do éter. Aproximaram-se de um pequeno balcão, onde uma senhora aparentado mau feitio, não perguntou nada, tão pouco olhou para eles. - Por favor, dizia-nos onde é a cama 37? - Ao fundo à direita e só podem entrar dois de cada vez - disse a mulher para a Ana, que era a que estava mais próxima do balcão. O miúdos organizaram-se e entrou o Francisco com o Valter. Ao chegarem à cama, verificaram que estava vazia. - Tu queres ver que o homem atou os paus?! - Disse o Valter. Quando regressavam, batem de frente num homem corpulento e em pijama, com três iniciais inscritas no bolso superior, "HDB". - É o senhor Basílio, não é? - Pergunta o Francisco. - Sou! E vocês quem são? - Nós somos seus vizinhos e temos uma longa história para lhe contar - diz o Valter. - Fomos nós que provocámos o acidente de que o senhor foi vitima. - Como assim? - Pergunta o homem. - Sabe, nós somos 5, estão mais três colegas nossos lá fora. - Ah bom, nesse caso, vamos para outro sítio onde podemos estar todos juntos. Saíram da enfermaria, apresentaram-se e seguiram para uma sala, onde algumas mesas e cadeiras permitiram que se acomodassem. - Muito bem, então a que devo eu a visita de um grupo de jovens tão simpáticos - pergunta o senhor Basílio. Como de costume, a Ana com o seu ar responsável, dá início à conversa. - Trata-se de um projecto, que resultou numa fatalidade... A hora da visita acabou e eles lá continuavam, esquecidos, todos concentrados na conversa da Ana. - Eu não acredito no que estou a ouvir, não pode ser! Diz o homem quase a gritar. O Valter faz um gesto para se levantar, ao que a Ana responde com um puxão que o faz sentar de novo. - Mas isso que vocês me estão a contar é inacreditável. Os miúdos estavam com medo da reacção do homem. - A quem é que vocês já contaram essa história? - Ninguém sabe, a não ser a minha avó, que consegue adivinhar tudo o que eu faço lá em casa - responde o Francisco. - Óptimo! Eu conto ter alta hospitalar amanhã. Talvez vocês não saibam , mas eu sou piloto da Força Aérea, sou oficial superior e gostava de vos propor que apresentássemos o vosso projecto a um colega meu. Ele trabalha nos serviços de engenharia aéronautica, eu vou falar com ele e talvez seja a pessoa indicada para vos ajudar. Os miúdos olham uns para os outros, sem perceber se aquilo é bom ou mau. - Preciso de pelo menos um contacto. Eu sou a que moro mais próximo do senhor, moro no número 12! - diz a Joana. - Óptimo! Não imaginam o quanto estou contente por saber que o que me aconteceu, vai ser transformado em beneficio para a sociedade. A vossa ideia é de facto fantástica e tem pernas para andar. O grupo saíu dali com o ego reforçado, rindo e falando alto, não pareciam os mesmos rapazes que há duas horas atrás, entraram por aquele portão. - O último a chegar à paragem do autocarro é um "ganda ranhoso"...
Na manhã seguinte, encontraram-se todos à porta do Francisco. Não comentaram uns com os outros mas notava-se que tinham dormido mal, até o Calisto, empoleirado nas grades parecia preocupado com o que tinha acontecido e com o que estava para vir. - Valter fizeste as pesagens correctamente? - Pergunta a Ana. - Sim, tudo tal qual como o Francisco me entregara! Após um curto silêncio. - Pode ter sido do vinagre - diz o Ricardo meio encolhido. - Do vinagre??? Do ... eu não acredito, juntaste vinagre? - Daí a agressividade anormal do produto. Não estava presvisto que o concentrado tivesse um efeito tão agressivo para a vítima - diz o Francisco que continua - a intenção, é inventar um produto que sirva as necessidade das forças de segurança, imobilizando o alvo, mas também é minha preocupação que o alvo (o marginal, o infractor, o delinquente), não seja vítima de agressão desnecessária. Já pensaram que um agressor muitas vezes pode ser alguém com problemas mentais e que é necessário apurar com calma a responsabilidade antes de atirar a matar? Os colegas estavam imóveis e calados a escutar o Francisco e a sua capacidade de perceber uma questão que no fundo tem tanto de óbvio que parece inquestionável. - OK, então vemos ter que tornar o concentrado menos agressivo, retirando-lhe o vinagre - diz o Valter. - Eu acho que deviamos ir ao hospital - sugere a Ana - no fundo, devemos uma explicação ao vizinho Piloto. - O senhor chama-se Basílio - diz a Joana - e também acho que deviamos ir falar com o senhor e pedir-lhe desculpa. Os rapazes olharam uns para os outros e sem dizer nada, via-se nas suas expressões, que achavam que as moças tinham tido um ataque de senssibilidade feminina. Não tiveram no entanto coragem de contrariar a ideia. - Acho bem - diz o Francisco - até porque o vizinho parece-me ser uma pessoa simpática. - Encontramo-nos na paragem do autocarro às duas da tarde - diz a Ana. Os moços saíram dali, cada um para a sua casa, enquanto o Francisco se dirigiu para o seu laboratório e com uma pequena porção de ranhoca, ensaiou várias vezes o concentrado pesando cuidadosamente os ingredientes e verificando os tempos de reacção e a ordem de adição. Registou tudo num pequeno caderno pautado e ensaiou várias vezes a reacção do concentrado, em diferentes circunstancias e em diferentes objectos.
No seu improvisado laboratório, nos fundos da garagem, foi pensando na ideia fundamental: criar um único produto que substituísse as armas de fogo (pistolas, espingardas, etc.), os bastões, até eventualmente os aviões e os navios de guerra. A ideia parecia-lhe de tal forma fantástica, que convocou o Conselho de Rua. O Conselho de Rua, eram os seus vizinhos e amigos de rua: O Valter, 12 anos, 70 quilos, caixa de óculos e especialista em materias. Famoso por transformar os aparelhos lá de casa em coisas de utilidade duvidosa, o seu último grande trabalho, trata-se de construir o motor para um barco a partir de uma máquina de lavar roupa. A Joana, 11 anos, conhecida por Palito, a mulher dos computadores, domina tudo o que seja informática. Ganhou fama na escola, por ter conseguido meter a matéria de todas as disciplinas do 5º ano num CD, que agora a escola usa para ajudar aos alunos nas aulas e no estudo em casa. Ana, 13 anos, a mais velha, a intelectual do grupo e está entregue à causa ambientalista. Por fim o Rodrigo, 11 anos e é da turma do Francisco. É o pirata do grupo, adora desportos radicais e pratica artes marceais. Lá na escola tem a alcunha de o Grito. - Bem isto é assim, a ideia é muito simples, trata-se de inventar um produto que melhore a segurança das pessoas. - Parece-me bem, que produto é esse? Pergutou o Valter. - Trata-se de um concentrado imobilizador, que uma vez disparado sobre o alvo, o imobiliza, tornando-o inactivo e inofensivo. - Já estou a ver, para ser usado pela polícia. Disse a Ana. - Sim, pelos militares e pelas forças de segurança em geral. - Ena, mas isso é fantástico! E que produto é esse? - Ranhoca!!! Responde o Francisco. - AAHH! - UUFFFF! - NHAAACC! - Ó puto, tu incomodas-nos por causa de uma ideia que mete ranho. Só visto, ouviram bem? Ranho!! - Esperem. eu explico isto melhor. O Francisco aos poucos, foi convencendo os companheiros de que pelo menos podiam tentar. - OK! Então mãos à obra. O Francisco foi definindo as tarefas de cada um e recolhendo o material necessário para o fabrico da primeira amostra de ranhoca imobilizadora. Foi buscar o Calisto, deu-lhe dois apertões e consegue extrair duas potentes ranhocas para dentro de um copo. - Rapazes, acho temos aqui matéria-prima suficiente para o primeiro ensaio. - Mas agora como é que tornamos isso mais espesso, para poder ser disparado? Intervem a Joana. - E é disparado como? Pergunta o Rodrigo, que quase de seguida aponta uma solução. - Olha, o meu pai tem uma máquina de lançar bolas de ténis, que não usa há muito tempo, podiamos tentar. - Perfeito! Vai buscá-la, enquanto eu vou ver de uma solução que funcione como cápsula para acondicionar o ranho. O Francisco voltou com um saco de balões de água, que tinham sobrado da sua festa de anos.Trouxe também uma varinha mágica, uma balança, um pacote de farinha, um saco de ervilhas congeladas, pó royal e gelatina. O Valter foi quem fez e registou as pesagens. - Como é que metemos essa coisa dentro dos balões? - Com uma colher. - Não dá! melhor que isso seria uma seringa grande. Disse a Ana. - Boa, acho que tenho uma em casa! E a joana saíu a correr. Depois de preparadas as munições, arrastaram o lançador de bolas de ténis até aos fundos do quintal e fixaram-no cuidadosamente. - Bom, e agora qual vai ser o nosso alvo? Perguta o Ricardo, enquanto coloca um balão de ranhoca no aparelho. - Olha pode ser o Calisto. - Estás doido, queres dar cabo da nossa fonte de recursos. - Por mim era o ordinarão do papagaio da vizinha Odete. - Calma, vamos começar por coisas simples, atiramos à árvore. Disse o Francisco. - Nem penses! Disse a Ana. - Vai joga isso a uma coisa qualquer! - Não se pode desperdiçar produto, tem de ser um disparo que nos permita tirar conclusões. Gera-se alguma desconcentração em volta do aparelho e sem que nenhum deles perceba como: Trooc . O aparelho dispara-se, as duas moças gritam. O balão de cor vermelha, com ranhoca do Calisto, atravessa cinco quintais e vai atingir o vizinho piloto que andava a cortar a relva. O homem, que era piloto da força aérea, tinha-se mudado há pouco tempo e não percebia o que lhe estava acontecer. Quanto mais o homem se tentava livrar daquele material pegajoso, mais preso ficava e outro remédio não teve senão começar a gritar por ajuda. Correu a mulher e correram também vizinhos, para o ajudar. Ninguém percebia o que era aquilo, o que tinha acontecido, a única coisa que viam era o homem envolto em ranho, colado ao corta relva e ao relvado. A solução foi chamar os bombeiros, pois o senhor começava a apresentar sinais de descontrolo e podia secumbir ali. O vizinho piloto deu entrada no hospital, não de maca, mas em pé, colado ao corta relva e em cima de um tapete de relvado. O ranho entretanto tinha secado, repuxara-lhe a pele e provocara-lhe lesões cutâneas equivalentes a queimaduras de 2º grau Largos minutos depois os moços respiraram. - Temos que rever a fórmula! Disse em tom baixo o Francisco. - Pois, e eu tenho que encontrar o manual de instruções do lançador. - Nós temos explicações e desculpas a apresentar. Disse a Ana, ao mesmo tempo que pensava que tinha sido melhor se atirassem à árvore Publicado por cravadinho em 01:01 AM | Comentar (0) QUE DESESPERO! O Francisco está desesperado. Roubaram-lhe a fórmula da ranhoca imobilizadora. Parece brincadeira, mas não é! É um caso muito sério, mete polícia e tudo. Uma descoberta simplesmente genial. Este puto com ar de quem está sempre nas nuvens, pegou na coisa mais tinhosa e pestilenta que tem em casa, o seu cão Calisto e arranca uma invenção capaz de parar o mundo, pela importância que tem para a humanidade. Foi muito simples, foi só pegar no mais repugnante e inútil dos produtos, o ranho, sim as ranhocas e dar-lhe a maior das utilidades. Há três dias atrás, tudo começava assim: A avó do Francisco, era uma velha respingona, que nunca estava calada. O seu alvo prefrido era o Calisto, que andava sempre ranhoso e deixava por toda a parte as mais verdes e peganhosas ranhadas. A avó, apesar da idade, era uma velhota bastante vigorosa, imagine-se que mesmo assim, teve enorme dificuldade em soltar-se de uma ranhoca que o Calisto sem querer deixou no tapete da entrada, enquanto dormia. Nesse dia o cão metia dó. A velha assanhada gritou tanto com o pobre bicho, que ele ficou na casota o dia inteiro. O Francisco estava aborrecido com os discursos do Pai: - Os marginais, eu lhes dava! carga policial é que eles precisam. Se não fosse à bastonada, ía a tiro. O cota ía gritando enquanto via a televisão e as habituais notícias sobre violência. - Ó pai tem dó, já viste quantas vezes os tiros da polícia atingem pessoas inocentes, batem e matam desgraçados que andam a roubar para sobreviver? - Ah sim, meu fedelho! Então já viste quantas vezes esses canalhas assaltam e agridem pessoas inocentes... Blá, blá, blá.... pensava o Francisco. Mas no fundo o pai também tinha razão. A ordem pública é importante para que a sociedade viva em paz. Enquanto o pai caía no resto de ranhoca espalhada no chão, o miúdo prega um salto e sai a correr para o computador. - É isso, é isso mesmo! Concentrado imobilizador. Ranhoca imobilizadora. Será que ninguém pensou nisto?! E enquanto vai gritando, liga o computador e abre vários motores de busca, primeiro o Google e nada, depois o Sapo, nada, ... o Clix.... e por aí fora e nada não encontrou nada na internet sobre ranhoca, ranhoca de cão, concentrado imobilizador. - Não acredito, ninguém pensou nisto! Será possível? No fundo a ideia era simples: em vez de tiros bastonadas e gás lacrimogénio, a polícia passava a utilizar ranhoca imobilizadora. - Pai, óh pai, paaaaiii! Mas o pai, já saira à pressa como sempre, a arranjar o nó da gravata e a tentar libertar-se dos restos de ranhoca. - Tenho que me livrar deste maldito cão, que porcaria. Ainda se ouviu, antes da porta do carro bater. - Também, quem é que se ía interessar por um projecto de ranhocas de cão. Ainda por cima, um cão achado, feio e ranhoso.